No passado tivemos já algumas conversas com a Platforme, porque, por um lado, sentimos essa necessidade e, por outro, conhecemo-nos já há algum tempo. Já tínhamos algumas apresentações, tivemos a ideia de fazer um teste e depois surgiu este convite enquadrado num outro âmbito. Fizemos este projeto-piloto para testar e ver como a tecnologia funciona.
O projeto em si tem muito interesse em várias vertentes. Por um lado, tem a parte da digitalização da biblioteca de materiais, ou seja, podemos fazer toda a digitalização dos materiais que utilizamos, das estruturas, dos vários padrões, e criar assim uma biblioteca que, muitas empresas, como é o nosso caso, tem fisicamente, mas que não é tão fácil para mostrar a um cliente. Foi uma das principais vantagens que identificámos. Depois tem o “digital comercial”, onde pegamos nos moldes, fazemos a modelação em 3D e escusamos de tirar fotografias, porque temos um produto muito próximo da realidade. Isso irá permitir ter um conjunto de gastos que deixam de existir, como sejam sessões fotográficas, que passarão a ser muito mais curtas. O facto de termos a modelação 3D e conseguirmos fazer as alterações de uma forma muito mais rápida, inclusive sem ter a peça física, traz uma agilidade muito grande a todo este processo. Temos depois também a outra parte, relacionada com o cliente. O cliente hoje pede uma amostra, amanhã pede outra amostra com um fecho diferente, a seguir pede outra com outra coisa qualquer. Não numa primeira fase, mas ao fim de algum tempo e de alguma mudança de hábitos dos clientes, poderemos ter uma solução para evitar grande parte destes custos
com as amostras, porque as pessoas vão começar a utilizar, a ver muitos dos protótipos dos seus produtos online e a tomarem a decisão de compra com base nisso e, em vez de pedirem quatro amostras, pedem uma.
Acho que a grande vantagem é a versatilidade e com isso vem a questão da economia, que não será tão direta, isto é, terá que se fazer um trabalho com o cliente para ele diminuir o número de amostras. Só ao fim desse tempo, desse trajeto de mudança de hábitos, é que iremos conseguir ter essa economia. E neste caso específico, quanto mais pouparmos a nível de fotografia, impressão e produção das amostras, mais eficiente e amigo do ambiente
será o processo.
São prismas diferentes. Numa primeira fase, o nosso processo vai passar muito pela questão das marcas, até para ganharmos experiência, porque quando avançarmos com isto para um cliente de private label já temos que ter a solução mais que testada e estar à vontade com a tecnologia. Portanto, optámos por avançar com a marca até porque a dificuldade deste processo passa muito pela criação de novos modelos0, já que alterar os modelos existentes é relativamente simples. Como na marca temos as duas coleções e mais ou menos os mesmos modelos, que depois vamos alterando de uma coleção para a outra, optámos por começar por aí para um dia mais tarde avançarmos para os clientes de private label – aí será, à vontade, mais do que um modelo novo por dia.
A Indústria 4.0 já está naturalmente no nosso ADN. Desde cedo que os meus pais procuraram trazer a última tecnologia e colocar a Impetus na vanguarda. No desenvolvimento do produto, à parte desta parceria com a Platforme, já desenvolvemos alguns modelos internamente com os nossos designers, para ir testando
e vendo os softwares que existem para o fazer. Na parte produtiva temos um projeto que se tem vindo a arrastar nos últimos anos, pela complexidade, que é a integração dos vários sistemas que temos internamente. Como somos quase verticais, à medida que fomos crescendo fomos tendo necessidade de um programa mais específico para o planeamento da tricotagem, um programa mais específico para o controlo da produtividade da confeção, etc. Apesar de termos desde início um ERP
transversal a toda a empresa, isso levou-nos a criar pequenos programas que permitissem uma melhor gestão de secções individualmente.
Começámos a sentir uma falta de uniformidade na informação dos vários sectoresda empresa. A pandemia, neste caso, até veio ajudar porque com a quebra do trabalho reforçámos o envolvimento da equipa neste projeto e, portanto, conseguimos dar um avanço significativo na substituição total do ERP. Temos o Dynamics NAV já desde 2005 nas áreas não-produtivas (comercial, logística, financeira e recursos humanos) e optámos por integrar tudo no Dynamics NAV – sabíamos, à partida, que isso ia criar uma maior dificuldade de customização, porque o Dynamics NAV não tem nenhum projeto integrado na fileira têxtil que consiga ter todas estas etapas como temos, e tivemos que fazer uma série de desenvolvimentos, o que também atrasou. Simultaneamente, a meio do projeto sentimos a necessidade de implementar mais rapidamente – estava previsto para uma fase posterior à do ERP – o sistema de planeamento integrado, também desde a tricotagem até à confeção e com uma visão global da fábrica.
E na parte comercial?
Na parte comercial aquilo que temos feito é muito a aposta na loja online, tanto B2C como B2B. Temos feito também as integrações com os marketplaces. No B2B implementámos, há cerca de um ano, um software que nos permite, além de outras funcionalidades, introduzir as encomendas offline, porque o nosso sistema trabalhava unicamente online. Apesar de parecer um retrocesso, a realidade é que, nem tanto em Portugal, mas em Espanha essencialmente e em França, por incrível que pareça, tínhamos muitos clientes para os quais queríamos introduzir as encomendas e não tínhamos cobertura de rede. Portanto, decidimos fazer essa alteração para um sistema que possibilitasse fazer essa gestão offline e que depois, quando se liga à rede, faz o carregamento do ficheiro. Temos ainda um desenvolvimento, também do portal B2B, mas a nível da marca, em que basicamente é uma loja online para os clientes de retalho.
Que benefícios tem a Impetus retirado dessas iniciativas de digitalização?
No desenvolvimento do produto, para já, ainda estamos numa fase muito embrionária. Fizemos algumas amostras, vamos passar agora para uma fase de protótipo já quase transversal a uma coleção e depois, se resultar, vamos avançar para as fases posteriores. Mas nesta fase ainda não conseguimos quantificar. Vai permitir, além das vantagens mencionadas, trazer novas pessoas e motivar algumas delas para virem para a têxtil, o que muitas vezes não era fácil porque o sector estava muito associado ao trabalho tradicional e com pouca inovação – com estes processos de digitalização e estas novas atividades conseguimos captar novas pessoas com outro potencial.
E na área comercial, já consegue ver ganhos?
A
esse nível tivemos algumas alterações internas que
atrasaram um pouco este processo de transição digital nessa área, apesar de ser uma
aposta há já muitos anos. Mas os resultados estão à vista e hoje já temos uma fatia significativa das nossas vendas como marca através dos canais online. Temos feito cada vez mais integração com vários sistemas que permitem uma gestão mais eficiente de toda esta cadeia nova de clientes e os resultados são visíveis.
A pandemia veio acelerar a transição digital?
A pandemia, no nosso caso, veio beneficiar esta transição, veio aumentar o número de clientes que estavam dispostos a comprar online porque sentiram essa necessidade e issoteve alguma repercussão nas vendas. Não superou o impacto negativo que teve a quebra do retalho, mas teve um aumento significativo e isto revela-se não só pela nossa loja online, mas também pelos nossos clientes de private label que vendem através de lojas online. Nos últimos anos fizemos uma grande aposta nesse tipo de clientes, e aquilo que sentimos é que, na altura da pandemia, os clientes que nos estavam a colocar encomendas eram precisamente os que tinham negócios online – sentimos que eram os únicos que estavam a vender e que, mesmo com algumas limitações, conseguiam superar da melhor forma toda a questão da pandemia.
Quanto cresceram as vendas online nesse período?
Não consigo quantificar corretamente os outros canais porque não é uma análise direta, mas a nível da loja online duplicamos as vendas.
Qual é o peso do comércio eletrónico nas vendas da marca?
Neste momento deveremos estar nos 15%.
Como tinham corrido os dois primeiros meses do ano?
Por norma, no início do ano há uma fase que não é muito forte a nível de encomendas. Já é normal haver ali um decréscimo, não tanto em janeiro mas mais em fevereiro e março, apesar que, em 2019, tivemos um início de ano muito bom. Este ano, comparativamente com os anos anteriores, estava bom – estava abaixo de 2019, que tinha sido excecional, mas estava a correr dentro da normalidade e das projeções que tínhamos efetuado. Até que veio toda esta situação que fez cair as vendas drasticamente. Tivemos, por um lado, a questão das marcas, com as lojas de retalho que fecharam, tivemos um conjunto de clientes que suspenderam as encomendas, outros que cancelaram e outros que disseram “ok, vai-me entregando, mas tens que fazer alguns ajustes às quantidades da produção”. Conseguimos safar-nos, digamos assim, com alguns clientes que tinham negócios online, mas isso ainda não representa a maioria dos nossos clientes e não conseguiríamos viver só à conta dos clientes online.
Qual foi a ordem de grandeza0. da quebra causada pelo confinamento generalizado?
As quebras foram superiores aos 40%, depende muito dos meses e dos períodos comparados. Tivemos períodos piores naturalmente, mas deste período de confinamento até à retoma da atividade, estávamos nos 45%.
Quatro meses de pós-confinamento, que análise pode fazer?
Em agosto e setembro, essencialmente, sentiu-se uma retoma, mas muito pela necessidade imediata dos clientes por terem cortado com as encomendas todas que tinham. Não me parece que seja algo sustentado. Apesar de ninguém saber o que pode ainda vir com a segunda vaga, acho que vai haver um movimento das marcas de pretenderem reduzir os stocks e, ao reduzirem, não vão ter a possibilidade de comprar os grandes volumes a que estavam habituadas na Ásia, porque lá ninguém lhes vai fazer pequenas quantidades, pelo menos até se adaptarem para isso. Mesmo nível de alguns produtos que não eram feitos cá, vão surgir indústrias para trazerem esses produtos para cá e nos tornarmos menos dependentes da Ásia. É o caso das máscaras. No nosso caso específico, quando tudo isto começou, mandei vir 20 ou 30 mil máscaras da China porque aqui não havia na altura. Hoje em dia já há um conjunto de empresas que compraram máquinas automáticas para fazer as máscaras e, neste caso específico, a autonomização é tão elevada que o custo de fazer aqui ou na China é “ela por ela”, porque o que conta é o investimento na máquina, não é o custo da mão de obra. Acho que a médio prazo, e se soubermos aproveitar isto bem, podemos sair até beneficiados, porque os clientes vão diminuir os stocks, vão querer respostas mais rápidas para não correrem o risco do empate de capital que tiveram durante o confinamento e que os assustou muito. Para produção de pequenas quantidades e grande diversidade, somos dos países que estamos mais habituados a isso. Se soubermos aproveitar, podemos sair beneficiados. Agora tudo depende de como correr esta segunda vaga ou de quando é que terminará esta pandemia.
A Impetus também encetou a produção de máscaras. Esta constitui hoje uma área de negócio para a empresa?
Inicialmente começámos numa ótica de apoiar a área dos equipamentos de proteção individual que não máscaras, ou seja, nas batas, manguitos, perneiras… E começámos a pensar desenvolver essa área muito mais numa ótica de apoio do que propriamente comercialização – chegamos a desenvolver algumas batas e alguns equipamentos que doámos, e, apesar das solicitações serem muitas, não quisemos avançar por aí como área de negócio. A questão das máscaras foi inicialmente numa ótica de fazer internamente para os nossos colaboradores. Fomos ajus tando os moldes e um conjunto de situações com os componentes da máscara, fomos testando, e os resultados que tivemos da certificação foram bastante positivos. Neste momento temos a máscara certificada para 50 lavagens e optámos por encarar isto como um negócio. Propusemos a alguns clientes de private label e estamos a fazer com a marca dos clientes. A nível de marca própria, também encarámos isto como uma oportunidade. Decidimos fazer uma máscara diferenciadora, com um conjunto de mais-valias a nível da respirabilidade, mas sempre na ótica de apoiar a nossa cadeia de valor, para a ajudar a superar isto, ou seja, não procurámos um canal diferenciado para a comercialização das máscaras. Além de durante o período de confinamento termos tido uma atitude de responsabilidade – oferecemos aos clientes de retalho a possibilidade de extensão do prazo de pagamento e 15% de desconto em crédito sobre a coleção que tinham recebido no início do ano e que ainda não tinham vendido –, optámos por entrar nesta área de comercialização pelos mesmo canais, de forma também a ajudar os retalhistas a superar um bocado a quebra que registaram.
Em termos de produção também veio colmatar alguma baixa?